O caso dos Arautos do Evangelho ou o “caso” do Vaticano?

É realmente surpreendente! Não dá para acreditar!… Não, o que aconteceu ao longo destes 8 anos com os Arautos do Evangelho (abusos de autoridade, campanhas de calúnias, violações dos princípios básicos do Direito, negação do direito de defesa, etc. etc., etc.), que tudo isto tenha acontecido no Vaticano, contra uma instituição da Igreja. 

Perseguições contra a Igreja já sabemos que houve muitas ao longo da História. Hoje em dia, estão aumentando assustadoramente. Nem é preciso enumerá-las. O que surpreende, aqui, neste caso dos Arautos do Evangelho é que se trata da Igreja, ou melhor, de membros da Hierarquia Eclesiástica, perseguindo uma instituição da própria Igreja. Não é absurdo? Já não é a primeira vez na História que isso acontece… É como um organismo doente que entrou num processo de autofagia (que se devora a si mesmo).

Lembro-me de uma afirmação de S. Paulo VI que deu muito que falar durante décadas: “a Igreja entrou num misterioso processo de autodemolição”. Isto foi lá pelos anos sessenta, depois do Concílio Vaticano II. Dispenso-me de pôr aqui a citação bibliográfica, porque a frase é tão conhecida que não precisa.

Autodemolição, autofagia, tiro no pé, são imagens que ocorrem para ilustrar esta situação tão singular. Esta última, é mais usual no âmbito militar, quando um atirador puxa a arma do coldre de forma tão desajeitada e precipitada que a arma dispara e atinge o próprio pé do incipiente soldado (às vezes é um oficial…). Esta ocorrência, se não fosse o trágico e doloroso do ferimento no pé, até poderia ter o seu aspeto caricato, pela falta de habilidade demonstrada.

Mas vamos lá ao caso dos Arautos… não, o “caso” do Vaticano! Foi bem um tiro no pé. E enquanto esse imaginário e desajeitado atirador não for ao hospital, esse pezinho vai sangrar, e muito. Para não passar pelo ridículo de haver disparado no próprio pé, esse principiante na arte da guerra, vai querer esconder o ferimento para não sofrer a incómoda chacota dos seus companheiros. “Fulano, você está coxeando, que aconteceu?” Resposta sem graça: “Ah, sabe, eu tropecei numa pedra e torci o pé”.  E o pezinho continua sangrando e doendo. Não quer ir ao hospital, porque nas urgências vão perguntar a origem do ferimento. Bala! Que feio… ou que suspeito. Onde foi? Como foi? Ferimento de bala? Risada das enfermeiras. Piadinhas causticantes… “Ele precisa tratar também a cabecinha… Confundiu o alvo com o pé.” E, por fim, abertura de um boletim de ocorrência policial. Enfim, uma grande complicação. Para não passar por essa situação tão incômoda, vai esperar para ver se a ferida se cura sozinha. Afinal o organismo humano tem as suas defesas. Mas o pé, embora seja um membro inferior, que escondemos habitualmente por razões óbvias e do qual só nos lembramos quando dói, tem lá as suas exigências. Esse pezinho vai inchar, vai doer cada vez mais e vai se infetar. E o nosso desajeitado atirador vai ter mesmo de ir ao hospital. E enquanto a infeção durar, nem a anestesia faz efeito. Não adianta pomadinha, não adianta unguento. Ou toma o antibiótico certo ou não tem jeito. A situação só vai piorar.

O Vaticano, ou certos sectores, pelo menos, ao querer esmagar (sim, esmagar, embora o termo seja forte) os Arautos, deu um tiro no próprio pé. Agora o pezinho está doendo e sangrando. E todo o mundo vai perguntar: “Que aconteceu? Por que você está coxeando?” E lá do Vaticano, fazem cara de que “isso não tem nada a ver comigo” e vão dizer: “Não é nada, não”.  E o pezinho vai doer cada vez mais e vai continuar sangrando. Quanto mais tempo passa, pior. Muito cuidado, para não afetar outros órgãos…

A Igreja é um corpo místico e, como todo corpo vivo, quando um membro é atingido, todos sentem a agressão. Dói a ponta do dedinho, mas todo o corpo sofre.

Mas, voltemos ao caso dos Arautos… ai, não, ao “caso” do Vaticano. Vamos tentar entender o que aconteceu lá por dentro, naquela zona profunda que nunca sai nas notícias, mas é lá que se decidem as coisas. 

Os inimigos dos Arautos (o bem desperta sempre inimizades: “porei inimizades…” diz a Escritura, no protoevangelho), não aguentaram ver o crescimento de uma instituição com perfil conservador ou tradicional, como que lhe queiram chamar. Não sabemos se por inveja, por ódio gratuito, ou por sanha ideológica. E decidiram: “vamos acabar com eles. Mas, muito cuidado para não fazer mártires”. Porém, como dizem os italianos, “tra il dire e il fare c’è di mezzo il mare…” E começaram a tramar… Isto não é nenhuma teoria da conspiração, é a pura realidade. Demorou muito, até que encontraram gente, nos postos mais altos da Igreja, disposta a fazer o serviço (sujo?); limpo não foi. Cardeais, Bispos, Monsenhores, altos funcionários, e lá começa a história. Está todinha (ou quase toda) contada no livro, “O comissariado dos Arautos do Evangelho – Punidos sem diálogo sem provas, sem defesa”. Quem começa a ler, não consegue parar. É inacreditável. O enredo supera os melhores romances.

O que não está contado no livro, e que ainda falta contar, é como foi possível tudo isto na Igreja. Não venham com a historinha de que os bons são sempre perseguidos pelo demónio. E lá vai toda a culpa ao maligno. Houve uma articulação de alto nível (com ajuda do demónio, ou com a colaboração de gente sem escrúpulos) dentro da Igreja, ao longo destes 8 anos, para asfixiar lentamente os Arautos, sem que tivesse a aparência de uma perseguição ideológica e sistemática, por parte de certos sectores bem conhecidos da Igreja. Afinal, muitas outras instituições foram investigadas e punidas (parece que cerca de uma centena)… os Arautos seriam mais uma, no meio do pacote para pôr ordem na casa. E daí, a recomendação explícita de “não fazer mártires”. Isso explica também as campanhas de calúnias pela televisão e pela imprensa, contra a instituição, para que o público acabasse achando que, afinal de contas, como em outros casos, também haveria abusos e escândalos morais nos Arautos. Quando viesse a sentença final, estrangulando a vítima, ninguém estranharia tanto, ninguém derramaria uma lágrima e a poeira da História acabaria por cobrir tudo. Quem se lembra dos jesuítas que morreram encarcerados, caluniados, depois do fechamento da Companhia de Jesus, no séc. XVIII?

Mas esses senhores, que tão minuciosamente planejaram o esmagamento dos Arautos do Evangelho, cometeram um erro crasso. Subestimaram a intuição e a inteligência dos brasileiros. É o mal de quem é muito esperto: achar que todo o mundo é tonto… As virulentas campanhas de calúnias não convenceram o grande público, que percebeu confusamente uma orquestração bem organizada por detrás, nem convenceram os juízes nos processos (cerca de 30) contra a instituição. E os católicos brasileiros, devotos de Maria, continuaram a apoiar os Arautos. E agora? Os Arautos não foram esmagados, como esperavam, em poucos meses, não se conseguiu provar nada contra eles, mas o Vaticano não quer reconhecer que errou, que foi injusto e não encerra o Comissariado. Talvez na “esperança” de que surja algum novo escândalo ou abuso (também se pode fabricar a bom preço) que finalmente justifique o injustificável. 

Mas, voltando ao “caso do Vaticano”. Como foi possível tudo isto? É a pergunta que salta em cada página do livro: COMO FOI POSSÍVEL? Quem explica? Como é possível, no sistema jurídico da Igreja, cometer tantos atropelos ao Direito Canônico, à justiça, à equidade, sem que haja um mecanismo de equilíbrio que impeça estas injustiças? Quem vai ser a próxima vítima? E quantos casos semelhantes estão na mesma situação?

A imagem do tiro no pé não me sai da mente. É que os Arautos também são Igreja. Como todas essas instituições que foram submetidas a processos análogos. Então, a Igreja ataca a Igreja? Por que o Vaticano ataca uma instituição que o próprio Vaticano havia aprovado há pouco? Autodemolicão? Autofagia? Como é possível odiar e prejudicar uma parte do próprio corpo? Não toca as raias da loucura, do absurdo?

O que está acontecendo no Vaticano? Uma caçada velada aos conservadores? É este “caso” que é preciso investigar. Antes que o juízo de Deus decrete uma sentença inapelável, é preciso que o juízo da História deite luz sobre tanta confusão. Fiquemos atentos ao Senhor, como se reza na liturgia melquita.

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