De certa forma, eles são muito parecidos, todos têm o cabelo bem curto, usam uma roupa marrom com uma grande cruz branca e vermelha na frente, botas que lembram cavaleiros da Idade Média e um pesado rosário pendurado em uma corrente grossa que trazem em volta da cintura. Nunca andam sozinhos e não se cumprimentam com “Oi”, mas com “Salve Maria!”. Quem são, afinal, os Arautos do Evangelho?
Você já se surpreendeu ao encontrar nas ruas, em aeroportos, hospitais ou em alguma igreja homens – em sua maioria jovens – de porte ereto e expressão agradável, trajados de forma peculiar, como se tivessem acabado de sair de um filme épico ou de uma máquina do tempo, direto da Idade Média para os dias atuais?
Esses são os Arautos do Evangelho, que chamam a atenção por onde passam, seja por seu traje, seja por seu comportamento, sérios, porém acessíveis e atenciosos com quem os aborda.
Eles são católicos? Fazem parte de alguma seita? Onde vivem? Porque se vestem dessa forma?
Sim, os Arautos são católicos
Para quem tem a curiosidade de saber se os Arautos são católicos, a resposta é sim, eles são católicos apostólicos romanos. Não fazem parte de nenhuma seita ou dissidência da Igreja e seu carisma está totalmente de acordo com aquilo que a Igreja prega.
Mas, por que, então, são tão diferentes?
O que pode chocar um pouco, a princípio, é o fato de eles usarem o hábito no seu dia a dia, especialmente porque a maioria dos padres já não têm esse costume. Usam os paramentos durante as celebrações, porém, terminada a Missa, nada os distingue dos fiéis: calças jeans, camisetas, tênis e, em alguns casos, até bermudas.
Os Arautos do Evangelho, no entanto, preferem trajar-se sempre como religiosos, não só durante a cerimônia eucarística, mas no seu dia a dia: “Para nós, é absolutamente comum, são nossas vestes habituais, é como se fosse um uniforme”, explica o Pe. Felipe Zoghaib, um jovem sacerdote que costuma participar de um podcast realizado pelos Arautos.
Bem, para eles, pode ser normal, mas, que chama a atenção, isso chama!
O significado da cruz usada pelos Arautos
O padre explicou que a enorme cruz branca e vermelha, de aspecto um tanto diferente, que se destaca em uma longa faixa de tecido que pende sobre a túnica é a “cruz de Santiago”.
“Isso é um escapulário”, disse, apontando para o tecido com a cruz. “O escapulário foi usado primeiramente pela Ordem do Carmo, por orientação da própria Virgem Maria em uma aparição a São Simão Stock, superior dos Carmelitas, em 1251.”
De acordo com ele, o uso do escapulário acabou sendo adotado por várias ordens religiosas e significa “um sinal externo de devoção mariana”.
“Trata-se do mesmo escapulário que muitas pessoas usam no pescoço, composto por dois pequenos pedaços de tecido com as imagens da Virgem Maria e de Jesus. Os leigos usam o escapulário pequeno, mais discreto, e os religiosos o usam no cumprimento das vestes”, esclareceu.
O Pe. Zoghaib explicou ainda que “a cruz de Santiago é um símbolo que teve origem na Espanha, associado ao Apóstolo São Tiago e à Ordem Militar de Santiago. É uma cruz cujas extremidades dos braços lembram a flor-de-lis, e também se assemelha a uma espada. Ela representa a fé, a combatividade e a pureza”.
Perguntei por que uma espada, e ele respondeu que se trata de “uma espada de dois gumes: a Palavra e o Espírito”.
Mas, precisa ser tão grande? O padre riu com a minha pergunta, mas, talvez acostumado a esse tipo de curiosidade, não a deixou sem resposta:
“Bem, num mundo em que o mal é tão fortemente difundido, o bem não pode ser tímido, ficar escondido, o sinal da Redenção precisa ser chamativo, tomando o corpo por inteiro, para mostrar que devemos ser totalmente assumidos pela Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo”.
Uma boa resposta, e, com certeza o tamanho e o aspecto da cruz – e do restante das vestes – cumpre o seu objetivo, pois é impossível que não sejam notados.
Uma ordem jovem, com traços de antiguidade
O hábito marrom distingue os sacerdotes e os diáconos, já os leigos de vida consagrada que fazem parte da Ordem usam túnica branca, apenas o escapulário marrom.
A corrente na cintura simboliza a sagrada escravidão de amor a Nossa Senhora, as botas e o cumprimento do hábito lembram uma ordem de cavalaria, mas, não, eles não saíram da época medieval! Pelo contrário, trata-se de uma ordem bem jovem.
A Associação Internacional de Direito Pontifício Arautos do Evangelho foi fundada por João Scognamiglio Clá Dias (1939-2024), no finalzinho da década de 1990, tendo recebido a aprovação pontifícia do Papa João Paulo II em 22 de fevereiro de 2001.
Além dos Arautos do Evangelho, João Clá fundou mais duas associações religiosas, a Sociedade Clerical de Vida Apostólica Virgo Flos Carmeli, aprovada pelo Papa Bento XVI e responsável pela ordenação dos sacerdotes Arautos, entre eles, o próprio fundador, que foi ordenado presbítero no dia 15 de junho de 2005, recebendo, mais tarde, o título de Monsenhor.
E a Sociedade de Vida Apostólica Regina Virginum, ramo feminino do Arautos do Evangelho. Sim, mulheres também fazem parte dos Arautos do Evangelho e usam um hábito muito parecido com os dos homens, variando apenas nas cores.
Eles vivem em comunidades autossustentáveis, com hortas, pomares, jardins, bibliotecas e oficinas, produzindo boa parte daquilo que consomem. Dedicam-se ao estudo e às orações e desenvolvem obras sociais, catequese, e missões apostólicas no Brasil e em outros países.
A cultura, a fé, a beleza e a caridade
A cultura é um traço distintivo dos Arautos, e boa parte deles possui mestrado e doutorado, feitos dentro e fora do país. Quase todos falam mais de um idioma e muitos têm formação musical e se dedicam ao canto gregoriano e à música sacra de um modo geral. O grupo possui um coro e uma orquestra de fazer inveja!
Eles explicam que a fé e a caridade são os traços mais importantes, mas a beleza também é um aspecto muito forte de seu carisma. “Evangelizamos através do belo”.
E isso pode ser comprovado no estilo arquitetônico de suas igrejas, a principal delas, a Basílica Nossa Senhora do Rosário, que fica em Caieiras/SP, e que serve de modelo para as outras, em várias cidades brasileiras e em alguns dos mais de 70 países em que os Arautos estão presentes.
“Para Deus, sempre o melhor”. Essas são palavras do Pe. Rodrigo Fugyama. “Primeiro, temos que dar nossa alma a Deus, procurando ser o melhor possível para entregar isso a Ele, mas não podemos agir diferente com relação às coisas materiais: as igrejas devem ser lindas, os arranjos de flores devem ser os mais bonitos, as cores, os quadros, a música. Tudo o que oferecemos a Deus deve ser ordenado e beirar a perfeição. Esse é o nosso modo de evangelizar, e isso fica claro para as pessoas que visitam as nossas igrejas”.
“E isso também se aplica à caridade. Quando doamos algo a alguém, devemos fazê-lo da melhor maneira. Muitas vezes, doar pode significar simplesmente livrar-se de algo que não serve mais. Isso é caridade?”
Com essas palavras, o Pe. Rodrigo revela outra característica dos Arautos: a conversa com eles sempre tende ao lado sério e profundo da vida. São alegres, bem-humorados, mas sempre puxam os assuntos mais banais para um viés elevado.
A Missa celebrada pelos Arautos
Quem assiste a uma Missa dos Arautos, presencialmente ou pela internet, costuma se encantar com a liturgia, parte dela em latim, sobretudo os cânticos, e isso leva alguns a confundirem com a forma extraordinária do Rito Latino da Missa, também chamada Missa Tridentina, mas, apesar da utilização do latim em algumas celebrações, as Missas dos Arautos seguem as atuais normas litúrgicas.
O Pe. Rodrigo Fugyama explica que “o latim é a língua oficial da Igreja, portanto, de conhecimento de todo o clero. Certas orações têm um quê de elevação quando rezadas em latim, por isso, em algumas de nossas celebrações, o Credo e o Pai Nosso podem ser rezados nessa língua. E muitos cânticos também, embora o nosso repertório seja bastante diversificado, com canções em português, inglês, alemão, francês, espanhol. A música, por si só, é uma linguagem, a linguagem da alma”.
Arautos do Evangelho – Seita?
Aproveitei o tom da conversa para tocar num tema controverso: há quem não goste dos Arautos e eles já foram taxados de conservadores, de “fanáticos” e até de seita! Perguntei aos padres se os Arautos são “mais amados ou mais odiados”. Quem respondeu foi o Pe. Zoghaib:
“Deus deve ser amado, então, se somos amados, é sinal de que estamos conseguindo levar adiante a mensagem de Deus. Pode ser que nem todos gostem de nós, afinal, nem Jesus Cristo conseguiu agradar a todos, mas, eu não diria odiados; muita gente critica o que não conhece, então, basta nos conhecerem melhor para verem quem são os Arautos do Evangelho”.
E o Pe. Rodrigo completou: “Zelamos pelos valores da Santa Igreja Católica e a mensagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois, como dizem as Sagradas Escrituras, ‘Ele não muda, é o mesmo ontem, hoje e por toda a eternidade’. Portanto, somos fiéis aos seus ensinamentos.”
Enfim, amados, odiados, admirados ou apenas despertando a curiosidade das pessoas, os Arautos são singulares!
Depois de uma hora de conversa com eles, se você é católico, é impossível não sentir o desejo de fazer um bom exame de consciência e ser um católico melhor e, se não é, dá vontade de ser, pois eles respiram o Catolicismo e o deixam transparecer em suas palavras, seus gestos e sua maneira de agir.